23.10.17

Investir nos primeiros anos de escolaridade

Cristina Soutinho, in o Observador

Agora que se discute o orçamento de Estado, fica o apelo ao governo, aos partidos políticos e ao setor privado e empresarial para que apoiem as políticas nacionais direcionadas para a infância.

Portugal tem vindo a melhorar a sua posição, de acordo com vários indicadores de relatórios internacionais, no que concerne ao bem-estar e à qualidade de vida das crianças e jovens, em áreas tão diversas como a saúde, a escolarização e o apoio às famílias. No entanto, outros indicadores de educação parecem comprometer o desenvolvimento social e económico do país.

Vamos por partes. Nos últimos 40 anos, a educação melhorou substancialmente, como afirmou recentemente a ex-ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, na apresentação do estudo “Aprender a ler e a escrever em Portugal”, da EPIS. Graças à democratização do acesso à educação em Portugal, as novas gerações estudam mais anos, em escolas com melhores condições, com mais professores, mais recursos e melhores métodos de ensino e de aprendizagem. No entanto, a democratização do acesso à educação não se traduziu na democratização do sucesso escolar, dado que “o insucesso anual de mais de cem mil alunos que, do 2.º ao 12.º ano ficam para trás, é o sinal de que a Escola não dá resposta a todos”.

De acordo com o estudo, existe um consenso generalizado de que as dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita potenciam o insucesso, o baixo desempenho escolar e o risco de repetência. O aspeto mais preocupante sublinhado no estudo é a taxa de repetência no 2º ano de escolaridade. As causas apontadas são diversas e conhecidas: ausência da frequência do pré-escolar, contextos socioeconómicos desfavorecidos, baixos níveis de escolaridade dos pais, e a percepção dos educadores sobre a inevitabilidade das dificuldades sentidas por estes alunos na leitura e na escrita, logo nos primeiros anos da escolaridade obrigatória, fator mais preocupante de todos.

Este indicador de insucesso escolar logo no 2º ano de escolaridade, aliado aos dados constantes do relatório Building the Future: Children and the Sustainable Development Goals in Rich Countries, da UNICEF (2017), deve preocupar todos os agentes do ecossistema educativo. Portugal está no meio da tabela no critério “educação”, que avalia as competências em leitura, matemática e ciências, e na “promoção de um trabalho digno e crescimento económico”, situando-se na 26.º posição. Este relatório coloca ainda Portugal nos lugares de baixo na tabela noutros critérios associados aos objetivos para o desenvolvimento sustentável nos países mais ricos. No critério “erradicar a pobreza”, uma em cada quatro crianças portuguesas vive em pobreza de rendimentos relativa. No critério “erradicar a fome e garantir uma alimentação de qualidade”, Portugal surge em 32º lugar, com 18,2% das crianças menores de 15 anos a viverem com um adulto que enfrenta insegurança alimentar. Acresce referir ainda que temos a quinta taxa de obesidade infantil mais elevada, fruto, entre outras causas, da adoção de uma dieta hipercalórica, do abandono da dieta mediterrânica e da má nutrição.

Nem tudo é negativo. O país também apresenta como ponto forte o facto de ser um dos 15 países no mundo que adotou as três políticas essenciais para apoiar famílias com crianças – a saber, dois anos de educação pré-escolar gratuita, licença de maternidade paga durante os primeiros seis meses de vida da criança, além de quatro semanas de licença de paternidade remuneradas. Estas políticas contribuem decisivamente para a proteção das crianças, proporcionando-lhes uma nutrição mais adequada, permitindo-lhes brincar e ter experiências de aprendizagem precoce nos primeiros dois anos de vida.

Os resultados destes dois estudos demonstram claramente que compete a todos os agentes do ecossistema educativo (governantes, pais, professores, agentes de saúde, diretores, empresários, organizações, entre outros) articular respostas integradas na resolução dos problemas identificados nos primeiros anos de escolaridade. Para que o insucesso escolar diminua, é vital que os alunos provenientes de contextos e famílias vulneráveis possam usufruir de programas preventivos, de intervenção precoce, apoio familiar, avaliação nutricional e acompanhamento do desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança. Estes serão os pré-requisitos mais importantes, a ter em conta, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade.

Numa altura em que se discute o orçamento de Estado, fica aqui o apelo ao governo, aos partidos políticos e ao setor privado e empresarial para que apoiem as políticas nacionais direcionadas para a infância, para que invistam nelas e para que ampliem os serviços que priorizam as crianças, sobretudo as mais vulneráveis. Portugal precisa de fazer mais por estes alunos. E agora é o momento.