20.6.17

E vivemos desempregados para sempre

Filipa Correia de Araújo, in Observador

Com mais tempo livre, a forma como o ocupamos será uma das nossas maiores preocupações e uma que poderíamos ter já. Estamos entre os maiores workaholics da Europa e tiramos disso poucos benefícios.

Até há bem pouco tempo não conseguíamos passar um dia sem ouvir falar do desemprego dos jovens licenciados em Portugal. Depois vieram os estágios do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e os milhões neles injectados (18,8 só na primeira de três fases em 2017) e deixámos de prestar tanta atenção a este problema. Saber que há jovens a mergulhar da faculdade directamente para o desemprego salta-nos se calhar mais à vista do que pais de família com quarentas e cinquentas que deixam de ter lugar no mercado de trabalho, apesar de ainda longe da idade da reforma.

Podemos estar um tanto ou quanto anestesiados, mas os problemas que levaram a essas elevadas taxas continuam longe de estar resolvidos. O desemprego é um dos tópicos a que damos atenção no Lisbon Hub dos Global Shapers e, no rescaldo da conferência AI for Good das Nações Unidas em Genebra, parece-me pertinente falar de inteligência artificial e de robôs a trabalhar por nós e do que vamos fazer quando for bastante mais raro termos um emprego ou mesmo um trabalho.

Curiosamente, os avanços da inteligência artificial têm-se dado de forma simultaneamente célere e lenta. Se, por um lado, já estamos a desenvolver robôs com capacidades incríveis (como a Sophia), por outro ainda não os estamos a ver entrar na nossa vida adentro de forma demasiado rápida para não parecer natural.

A comercialização de robôs que vão ajudar idosos e dar banho aos miúdos ainda se vislumbra distante, mas a inteligência artificial mais discreta já está a espreitar por debaixo da porta, especialmente da do nosso emprego. A maior parte da automatização em Portugal ainda está reservada à indústria, mas já conseguimos vislumbrar que muitas das tarefas que hoje em dia fazemos daqui a alguns anos serão mais económicas se feitas por sistemas de inteligência artificial. Claro que nessa altura haverá consequências negativas para o emprego, mas os efeitos positivos também lá estarão, à espera que os saibamos aproveitar.

Pensando no incêndio em Pedrógão Grande e no da semana passada em Londres, surge o anseio por robôs bombeiros que consigam enfrentar as chamas como não conseguem os seres humanos, programados para preservar a vida e a natureza em detrimento de si próprios. Também é de algum modo agradável saber que pode deixar de ser necessário ter pessoas a trabalhar no meio de lixeiras e esgotos e que daqui a uns anos os elementos repetitivos da maior parte dos empregos serão todos automatizados, deixando-nos livres para nos dedicarmos às tarefas com que acrescentamos mais valor.

O ajustamento à inteligência artificial como força produtiva vai demorar o seu tempo e viver diferentes fases, nas quais provavelmente teremos de nos reinventar e lançar a novas tarefas de modo consecutivamente mais rápido. Os millennials talvez já sejam uma geração relativamente bem preparada para esta adaptação, sabendo como perguntar tudo o que não sabem ao Google e habituados a aprender online aquilo que os professores ao vivo e a cores não lhes ensinam. As gerações anteriores provavelmente necessitarão de mais apoio nesta transição e, nesse caso, não só as reformas legais, mas também as decisões ao nível da regulação da inteligência artificial desempenharão um papel fulcral. Não seremos necessariamente obrigados a aceitar a introdução de todas as tecnologias à medida que são desenvolvidas e poderemos decidir que há algumas que destroem demasiados empregos demasiado depressa para serem adoptadas num certo momento.

Portugal está bem posicionado para a inovação de base científica, como escreveu o meu colega Global Shaper David Braga Malta, e isso pode dar-nos uma vantagem na introdução da inteligência artificial em grande escala no mercado de trabalho. Talvez os maiores desafios na adaptação a estas mudanças far-se-ão sentir nos países em desenvolvimento, que com uma população cada vez mais jovem e mais numerosa, estão actualmente com dificuldades em garantir um número mínimo de empregos para que uns poucos na família possam sustentar os muitos restantes.

Imaginar as pressões que as economias em desenvolvimento sentirão num mundo em que menos empregos estarão disponíveis, principalmente para aqueles sem formação tecnológica, não nos deixa antever um cenário positivo. O investimento de mais esforços na educação, tecnologia e estabilidade política, bem como o aumento da consciência de que neste mundo global a negligência com uns rapidamente se torna num mal para todos, serão instrumentais para garantir que limitamos o número de guerras e revoluções com efeitos devastadores.

Agradar-nos-ia a ideia de poder vir a ficar desempregados para sempre? Nos moldes do que é hoje o desemprego provavelmente não, mas se forem outros, porque não? Tendo por base alguns dos sistemas de previdência social na Europa, não é difícil de imaginar que sejamos capazes de chegar a um equilíbrio em que mesmo as 35 horas de trabalho semanais sejam em demasia para produzirmos o suficiente de modo a garantir que nós e os outros recebemos o que necessitamos para viver bem. Nesse caso, poderemos suportar bem mais pessoas sem emprego, ou com formas radicalmente diferentes das actuais de se estar empregado.

Com mais tempo livre, a forma como o ocupamos será possivelmente uma das nossas maiores preocupações e é uma que bem poderíamos ter já. Estamos entre os maiores workaholics da Europa e os benefícios que disso tiramos são poucos. Passar menos tempo no trabalho e dedicar mais tempo aos nossos hobbies, talvez até a investir em novas competências, é possivelmente uma das melhores formas de nos prepararmos para a maior convivência com os robôs.

Filipa Correia de Araújo tem 26 anos e é gestora de projectos de desenvolvimento internacional na CESO Development Consultants. Licenciou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa em 2009 e antes de terminar o mestrado CEMS MIM em Gestão Internacional em 2015, trabalhou em países tão diversos como o Uganda, Timor e a Alemanha. A sua área de foco é a promoção do empreendedorismo como resposta à falta de emprego e estímulo ao sector privado em países em desenvolvimento.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre desemprego na era dos robôs. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal da autora e não vincula os Global Shapers de Lisboa.