8.8.16

O caso Quintino Aires

José Manuel Oliveira Antunes, in Público on-line

As afirmações do Dr. Quintino Aires não têm nenhuma base documental nem rigor, mas as reacções por elas suscitadas carecem de mais equilíbrio de critérios.

O psicólogo Dr. Quintino Aires afirmou num programa da TVI, cito o que li nos jornais, que “a etnia cigana não respeita as normas do país onde vive” e que “a maioria vive de subsídios ou trafica droga e não trabalha”. Tudo isto, a propósito da invasão com agressões, a um quartel de bombeiros em Campo Maior.

O Dr. Quintino Aires, por distracção ou porque o programa da TVI é mesmo para isso, confundiu uma “conversa de café”, com a circunstância de estar a falar para centenas de milhares de pessoas. Não é o primeiro, nem será o último.

Estima-se que os ciganos em Portugal (dados citados pelo Público em 2 de Agosto) sejam entre 40 e 60 mil. Desses, 35% auferem o Rendimento de Inserção. Ao que as estatísticas dizem, constituem 5% da população prisional.

Estes números desmentem a generalização e as conclusões empíricas do Dr. Quintino Aires, mas não deixa em todo o caso de ser preocupante, que uma etnia que representa 0,6% da população contribua com 5% dos reclusos, sem contar com os que se encontram com pena suspensa.

Mas o caso Quintino Aires, tem outra dimensão, tão ou ainda mais preocupante: A dualidade com que estas expressões públicas, do que poderia ser uma “conversa de café”, são encaradas por uma parte dos cidadãos que manifestam as suas reacções.

O facto é que perante afirmações com a matriz de “politicamente incorrectas”, surge logo uma profusão de abaixo assinados, requerimentos, pedidos de suspensão de actividade profissional, saneamento da televisão etc. etc. Não vamos opinar sobre a proporcionalidade de algumas destas queixas. Já referimos que as afirmações do Dr. Quintino Aires, não têm nenhuma base documental nem rigor e por conseguinte aconselhava o bom senso que não as tivesse feito.

Só que as reacções a declarações deste teor são também muito pouco rigorosas e carecem de mais equilíbrio de critérios.

As melhores anedotas sobre judeus são, como é sabido, escritas pelos próprios judeus. E são célebres por serem muito sarcásticas. No entanto, quando um não judeu conta uma delas, é prudente referir logo, que o autor é judeu, não vá o contador ser acusado de anti-semitismo. No entanto, se contar a mesma anedota com referência a polacos, belgas ou portugueses, não corre o risco de ser tido por xenófobo quanto a esses povos.

Podemos ouvir com facilidade em conversa de café, um cidadão de raça negra, dizer, que “os brancos só estão (por exemplo, em Angola) para explorar os pretos” e ocasionalmente, um cidadão branco, comentar noutra conversa de café, que “os pretos são uns mandriões e não querem trabalhar”. Imagine-se agora isto dito na televisão. A generalização tonta do cidadão de raça negra era logo desculpada por 400 anos de colonialismo e a atoarda, dita pelo cidadão de raça branco, era imediatamente classificada de racista.

Com o actual radicalismo islâmico, é o mesmo. Se um clérigo muçulmano prega a Jihad e incita ao ódio religioso numa mesquita na Europa, o que lhe acontece? Provavelmente nada. Se um padre católico fizer qualquer declaração que tenha um conteúdo presuntivamente anti-islâmico, é considerado um “cruzado” e se não for mudado de paróquia ou expulso, terá muita sorte.

As reacções ao caso Quintino Aires são mais um exemplo desta dualidade de critérios. Não leio tudo o que se publica, mas também não vi em lado algum, qualquer comentário critico sobre os actos de violência praticados por um grupo organizado (isso faz toda a diferença em relação ao acto duma pessoa isolada) contra os bombeiros de Campo Maior. São ambos actos censuráveis – um é eventual delito de opinião e outro é um acto de violência física - mas parece que o “alarme social” provocado pelas opiniões do Dr. Quintino Aires suplanta em muito o alarme causado pelo ataque aos bombeiros.

Muitas pessoas desconhecem, mas a estátua que simboliza a Justiça tem uma venda nos olhos, exactamente para significar que a justiça é cega. Cega no sentido em que todos são iguais perante a lei. Sejam maiorias ou minorias, homens ou mulheres, brancos, pretos, amarelos, ciganos, crentes ou não crentes.

É esse o fundamento da nossa civilização que só atingimos há menos de dois séculos, e com muito sangue e não menos lágrimas. Queremos perder isso? Às vezes parece que sim.