4.8.16

Fazer dos meus, os olhos de amigos e conhecidos

Rita Moreira da Silva, in iOnline

Depois de já ter passado pelos campos de Dunquerque e Calais, e cansada de assistir ao drama dos refugiados a partir do sofá, Rita Moreira da Silva resolveu aproveitar as suas férias para rumar à Grécia para perceber como ajudar.

O principal motivo da minha viagem à Grécia foi fazer dos meus, os olhos de amigos e conhecidos, como forma de chamar a atenção para este drama humanitário, que embora old news, está longe de poder solucionar-se. Tendo feito voluntariado no ‘antigo’ campo de Dunquerque, o mal-afamado ‘champ de la honte’, e visitado também o campo de Calais, no norte de França, há já algum tempo que andava a remoer a possibilidade de ir à Grécia. Tal como me aconteceu quando senti necessidade de visitar os campos de refugiados no norte de França, esta incursão à Grécia tinha como objetivo, não apenas apoiar os refugiados e associações de voluntariado a trabalhar in situ, mas poder conhecer mais a fundo como funciona o sistema de obtenção de asilo estabelecido pela União Europeia para os refugiados que chegaram à Grécia antes do famigerado acordo com a Turquia, e também para aqueles que, apesar do fecho de fronteiras, continuam a chegar às ilhas helénicas, concretamente Chios e Lesbos, nos dias em que o mar o permite - a Chios chegam ainda à razão de dois a três barcos por dia, com uns 30 a 40 refugiados por Zodiac.

A decisão propriamente dita de fazer esta viagem tomei-a em Barcelona, em abril, quando à conversa com uma amiga de longa data, a Lali, nos apercebemos que ambas tínhamos a mesma inquietude. Deu-se a coincidência de que uns amigos da Lali estariam a navegar o mar Egeo durante os três meses de verão e, com o apoio da minha família, apontámos agulhas para sair assim que terminasse o ano escolar dos meus filhos - o que, na escola pública inglesa, ocorre normalmente por volta da última semana de julho. Devo dizer que os meus filhos estão habituados a que a mamã e o papá viajem por trabalho, e sabem que em casa somos pró-refugiados. Por isso a minha viagem à Grécia não causou nenhum problema. Muito pelo contrário, implicaram-se de corpo e alma nas atividades que levámos a cabo nos meses precedentes para recolher doações.

A um par de semanas da data de saída, procurei estabelecer contacto com pessoas individuais ou organizações e foi assim que conheci o Norman, um americano que se reformou recentemente e decidiu vir viver para a Europa na primavera, mais precisamente para a Holanda. Tendo acompanhado um grupo holandês numa missão de voluntariado a Atenas, não mais deixou este país e faz voluntariado diariamente no campo Skaramagas, gerido pelo exército grego, onde é responsável pela gestão do armazém. Foi ele o nosso guardião, e através dele fomos conhecendo mais voluntários e projetos em Atenas, desde o campo ilegal no porto de Piraeus, que o exército quer desmantelar proximamente, a uma escola ocupada no centro de Atenas onde vivem 400 famílias, e o próprio campo de Skaramagas, de acesso restrito mas ao qual pudemos aceder como visitantes oficiais.

Através de um outro contacto, o Ahmad, um sírio casado com uma grega, pudemos visitar uma família, a mãe e os seus quatro filhos, que vivem em regime de alojamento num apartamento providenciado por uma ONG local. Nos três dias que estivemos em Atenas, ainda conseguimos visitar o centro de distribuição gerido pela ONG Salvation Army, perto da Praça da Vitória, onde até há pouco tempo viviam muitos refugiados. Depois, de Atenas apanhámos um ferry para Chios onde nos encontrámos com os nossos amigos navegantes. Em Chios há três campos, dois de circulação livre, Souda e Dipethe, em pleno coração da cidade, e há ainda o campo militarizado de Vial para onde são levados os refugiados assim que chegam à ilha. Existe também um hotel onde se alojam 60 pessoas, principalmente mulheres consideradas mais vulneráveis (que viajam sozinhas, com ou sem filhos, e grávidas) mas também pessoas com doenças crónicas ou deficiências. Existe também uma escola para 70 crianças refugiadas e um centro diurno para ‘mulheres’ de mais de 13 anos, uma espécie de refúgio coordenado pela ONG Action from Switzerland, onde as mulheres podem acudir para relaxar, aprender inglês, praticar ioga ou apenas tomar um banho. A coordenação de todos os projetos e assistência está a cargo da associação Chios Eastern Shore Response Team (CESRT), juntamente com as associações do país - como a Salvamiento Marítimo Humanitário, que patrulha a costa este da ilha, e o projeto Zaporiak Proiektua, que diariamente prepara entre 1500 e 1700 refeições distribuídas pelos campos no centro de Chios.

Ontem deixámos a ilha rumo a Thessaloniki, ao norte da Grécia, para conhecer e apoiar o projeto Schools for Refugees, coordenado pelo professor de Direito Constitucional da Universidade de Sevilha, Pablo Urias. As ajudas económicas feitas a cada projeto que fomos conhecendo são fruto de doações feitas por amigos e desconhecidos que se sentiram sensibilizados pelos relatos que partilhámos através do evento criado no Facebook e ao qual chamámos “O Meu Casamento Grego”.

A nossa viagem ainda não terminou mas já há planos para colaborações com o CESRT, a quem propusemos vários projetos de continuação. Por isto, de volta a casa, quero estabelecer contacto com programadores informáticos solidários, para iniciar um projeto cuja fase piloto terá lugar em Chios. Espero poder regressar a esta ilha em outubro já com a primeira versão de uma app que possa ajudar.

Cansada mas de coração cheio, levo comigo a recordação de todos os voluntários fantásticos que tive o privilégio de conhecer e, claro, os refugiados, principalmente as crianças a quem a inocência foi roubada, vítimas do terrorismo e de conflitos armados. No entanto, há duas famílias que me tocaram especialmente, e a quem prometi não perder de vista. É na casa de uma delas que nos alojaremos na nossa última noite em Atenas, a pedido da própria família, o que nos sensibilizou enormemente. #spreadlovenothatred